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domingo, 8 de julho de 2012

O burburinho do mercado é interrompido pelos pregões dos vendedores. "Acabámos de chegar da horta", ouve-se de um lado. "Temos mais barato e saboroso ", gritam na outra ponta. Alguns clientes cedem à publicidade estridente e inclinam-se sobre as bancas, outros dirigem-se aos fornecedores habituais.

Em tempos de crise, Marília Pedroso, 56 anos, não se deixa levar pela simpatia ou antiguidade e olha, sobretudo, para o preço.

Motivo que a leva a optar pelos alhos da banca de Ermelinda Pereira, 56 anos, vendedora no Mercado de Benfica, em Lisboa, há 19 anos. O "preço imbatível" só é possível porque os alhos vêm da China. Custam 2,79 euros/kg, enquanto o alho nacional está mais próximo dos 5 euros/kg.

Até abril deste ano, Portugal importou 23 toneladas de alhos chineses, mais do dobro do valor total de 2010, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE). No ano passado, não foi registada qualquer importação direta de alho da China, mas alguns produtores compram-no aos espanhóis, principais fornecedores nacionais, que, só em 2011, exportaram 7 055 toneladas para Portugal. Como a origem do produto importado não vem discriminada nas estatísticas, é impossível saber, ao certo, a quantidade de alho chinês que circula no mercado interno.

(IN)SEGURANÇA ALIMENTAR

António Monteiro, 60 anos, docente do Instituto Superior de Agronomia, em Lisboa, explica as razões do alho chinês ser mais competitivo: "O custo de produção é muito mais baixo por causa dos salários reduzidos e do cultivo em larga escala. A durabilidade dos alhos também permite que sejam transportados de barco até à Europa, a baixo custo." Além do preço, Vítor Fonseca, 53 anos, da distribuidora Ferreira da Silva, destaca a "muito boa qualidade" dos alhos chineses. A empresa já foi obrigada a importar várias vezes, devido à reduzida produção nacional no ano passado, Portugal produziu 2 821 toneladas, cobrindo apenas 30% a 40% das necessidades internas.

Acabado de chegar da China, o chef Chakall, 40 anos, conhece as diferenças entre o alho ocidental e oriental. "Prefiro o sabor mais ácido do alho português mas o chinês permite abusar na quantidade, porque é mais suave." Quanto ao preço, não acredita que os portugueses se deixem levar por isso: "O alho não pesa no orçamento.

As pessoas usam pouco de cada vez." No Mercado de Benfica há 40 anos, Amália Mendes, 59 anos, desistiu do alho chinês devido às queixas dos clientes, "diziam que era menos ativo e mais doce". Já o que afasta o engenheiro agrónomo Carlos Trindade, 45 anos, não é a diferença de sabor. "A contaminação dos solos e os níveis de resíduos de pesticidas acumulados é que me preocupam", revela, manifestando a sua desconfiança relativamente aos certificados fitossanitários dos produtos, da responsabilidade de Pequim. Ermelinda Perreira nem quer ouvir falar nisso, enquanto avia mais um freguês. Quando lhe perguntam pelo paladar, tem a resposta na ponta da língua: "Não há diferença nenhuma.

Isso é maluquice das pessoas."

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